terça-feira, 13 de abril de 2010

A SÍNDROME DO FALSO "EU"

Pedro sempre foi um discípulo ousado na acepção da palavra, talvez por que fizesse parte do círculo mais íntimo de Jesus (Pedro, Tiago e João), logo se destacou como liderança no colegiado de apóstolos. Esteve presente no monte da transfiguração Mc. 9:2, foi testemunha da glória de Deus ali revelada, quando ouviu a voz que ecoou: “... Este é o meu filho amado em quem me comprazo”. De acordo com João 1:42, Jesus deu a Simão o apelido de “Pedro”, “a Rocha” ou Pedra. Tanto a versão grega (Pedro) como a aramaica (Cefas) significava a Rocha.
Com a ascensão de Jesus em Atos 1:9 Pedro assume definitivamente a liderança do grupo, 1:15;2:14. Simão era um pescador com seu irmão André ambos eram da mesma cidade, Betsaida, na margem norte do mar da Galiléia (João 1:44), porém mais tarde fixa seu lar em Cafarnaum (Mc.1:21,29), na margem noroeste do lago.
Era um galileu, e portanto, aguardava ardentemente a vinda do messias libertador, que viria para liberta-los das opressões romanas. A prova disso é que quando João, o Batista apareceu pregando no deserto da Judéia, atraiu para si muitos galileus que imediatamente foram ao seu encontro, sendo Simão e André alguns deles.
Pedro que andou com Jesus, testemunhou coisas grandiosas e extraordinárias, (como milagres, curas e prodígios), no entanto, escondia por trás daquela coragem e ousadia a síndrome do falso “eu”. Quando não somos o que pensamos ser geramos frustrações e conflitos em nossa relação com Deus e com os irmãos.
Analisando a vida de Pedro em sua relação com Jesus e com os apóstolos, percebe-se certa tensão, vivida pelo apóstolo, entre o mundo real e o ideal. A mesma tensão acontece conosco. As vezes não somos o que gostaríamos de ser. Muitas vezes impomos sobre nós um padrão de espiritualidade inalcançável, inatingível, seria esse o problema de Pedro? Talvez o problema dele residisse no fato de não reconhecer em si, a presença do “falso eu”.
Querer andar sobre as águas, responder todas as questões apresentadas por Jesus, não o tornava melhor do que os outros discípulos, pelo contrário, revelava a necessidade de ser útil e de aparecer que apenas Pedro sabia.
O falso eu é um hipócrita, é um ser contraditório, complexo, afirma uma tese, mas dependendo do contexto ele a nega veementemente. Quanta gente já traiu seu pastor, sua liderança, sua própria família, dando lugar ao impostor que ardilosamente manifestou-se nas relações humanas.Não posso negar que dentro de mim há um conflito de interesses, ora sou conduzido pelo verdadeiro eu a fazer a vontade do Pai celestial, ora sou assaltado pelo falso eu, e então exclamo: miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Talvez você esteja sentindo-se o pior de todos os seres humanos, por não ter conseguido conviver com esse dualismo, mas Deus manifestou-se em Jesus para liberar Graça sobre Graça em sua vida. Onde o pecado abundou, superabundou a Graça do Senhor.
Acontece um fato na vida de Pedro que o marcará para sempre e este episódio aconteceu, antes mesmo de Jesus ser preso no jardim do Getsêmani.
Jesus estava reunido com seus discípulos no monte das oliveiras conversando e em meio ao diálogo, Jesus cita o texto de Zc.13:7 “Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersas”, e ainda afirmou o mestre “...depois da minha ressurreição, irei adiante de vós para a Galiléia”, Mt.26:31-37. Então, Pedro se inter-pós ao diálogo do mestre e disse: “Ainda que venha a ser um tropeço para todos, nunca o serás para mim”, e mais “Ainda que seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei...”, afirma a fonte de Mateus e Marcos. Lucas, no entanto, acrescenta na fala de Pedro o seguinte “... Senhor estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão como para a morte”, Lc.22:33. E o mestre diante daquela declaração falsa, triunfalista e ingênua, arremata: “...nesta noite, antes que o galo cante, tu me negarás três vezes”.
Bom, a fala de Pedro revela em primeiro lugar o caráter revolucionário dos galileus que esperavam a manifestação do Messias libertador. No imaginário do discípulo galileu pairavam pensamentos de resistência ao domínio romano, talvez por isso tenha reagido daquela maneira. Em segundo lugar na afirmação dele (Pedro) há uma nítida incompreensão da proposta do Reino de Deus ensinada por Jesus ao longo de sua caminhada. No evangelho de Jesus não existe espaço para revanchismo, para militância de guerrilha armada. Os doze apóstolos não se caracterizavam como um movimento social, que buscavam transformar a realidade a partir do confronto com as forças do Estado.
Pedro demonstra com sua atitude não reconhecer em si mesmo a presença do falso “eu”. Ele não se dá conta de estar sendo traído por sua declaração falsa. Toda tese afirmada no monte das oliveiras por ele, de ser preso, de morrer por Jesus, de nunca o negar, será negada no pátio da casa de Caifás, sumo sacerdote, gerando no coração de Pedro frustração e angústias, mas também uma certeza – ser discípulo de Jesus é muito mais do que fazer declarações triunfalistas, é antes, assumir a consciência do impostor que vive em nossa existência e submete-lo ao senhorio de Jesus.
O entendimento de uma vida cristã liberta das sombras, das imagens falsas, das palavras de efeito, dos chavões, nos tornam autênticos, verdadeiros e livres para seguir a Cristo. O grande desafio da igreja brasileira é autenticidade. Não podemos viver em casa um evangelho diferente daquele que vivemos na igreja. O Reino de Deus não é uma peça teatral, onde os atores (igreja) encenam no palco da caminhada histórica (tempo) uma peça que é completamente antagônica à prática cotidiana.
Fico pensando nas sombras que construímos ao nosso redor, na falsa imagem que temos de nós mesmos, isto é uma armadilha. Quantos irmãos estão desviados, afastados, distantes da igreja, simplesmente por terem vivido uma vida cristã fundamentada em imagens falsas, em sombras ao redor de si. Muitos se frustraram, se desiludiram e nunca conseguiram superar a frustração. Crentes que estão me ouvindo agora que mesmo estando na igreja, estabeleceram um padrão de santidade tão elevado que nunca conseguirão atingi-lo, e portanto viverão carregando tristezas sobre tristezas em si mesmos.
Tanto Pedro quanto os outros apóstolos viveram situações que revelaram o caráter frágil de sua vida. Nossa existência revela rachaduras de todos os níveis no edifício da vida. As estruturas de nossa vida foram abaladas pela queda, por isso, transitamos entre o eu verdadeiro (nova natureza em Cristo) e o eu falso (velha natureza caída). A caminhada cristã em certo sentido é uma tensão constante entre o mundo ideal e o mundo real. Quando tomamos consciência dessa tensão, desse conflito eterno, nos fortalecemos como pessoa, como discípulos, como crentes, porém, o outro lado da moeda, ou seja, a falta dessa consciência, é uma vida de falsas expectativas, de ilusões, de máscaras.
A vida cristã tem que ser vivida na dependência completa de Jesus. Sua graça revelada nas escrituras é o único elemento que nos sustenta na relação com o Pai e nos relacionamentos inter-pessoais. Na igreja nos amamos pela graça, nos perdoamos pela graça, exercemos misericórdia pela graça, nos submetemos uns aos outros pela graça, reconhecemos as autoridades eclesiásticas e as respeitamos pela graça, pastoreamos o rebanho do Senhor pela graça. Portanto, se não fosse à graça de Deus revelada em Jesus, tudo isso seria impossível, e mais, nada acontece por nosso mérito, tudo é pura bondade de Deus operada em sua igreja.
A síndrome do falso eu é uma realidade em nossa existência, todos carregamos o sinal da deformação e por isso, não devemos considerar o diferente pior ou melhor do que nós. Para Brennan Mannin, escritor americano com vários livros publicados em português pela Mundo Cristão, “Impostores se preocupam com aceitação e aprovação. Por causa da necessidade sufocante de agradar os outros, não conseguem dizer não, com a mesma convicção que dizem sim”. Quando vivemos conduzidos pelas sombras que produzimos sobre nós mesmos, nos tornamos escravos das falsas idéias, das ilusões da vida.
Pedro projetou uma imagem sobre si completamente falsa, ilusória, mentirosa. Ele não percebeu o impostor impregnado em sua existência, e por isso afirmou coisas impossíveis dele mesmo fazer ou realizar. Jesus sabia que aquela imagem projetada por Pedro era falsa, por isso tratou logo de dissipá-la “hoje mesmo me negarás...”. Como discípulos devemos projetar uma imagem que reflita sua glória em nós. A glória do discípulo é a imagem de seu mestre. O impostor precisa ser desmascarado, denunciado, detectado, a fim de que tenhamos uma vida cristã sadia e fortalecida pela graça de Jesus.
Para Tomas Merton “Cada um vive à sombra de uma pessoa ilusória: o falso eu”. O verdadeiro discipulado focaliza na vida do discípulo a imagem da glória do Filho de Deus. Ele é tudo em todos. Jesus veio revelar Deus como é e todo homem como deveria ser.
Nesse sentido, Ele veio devolver para o homem a glória perdida no jardim do Édem, imagem e semelhança de seu Criador. Fora disso o impostor reina triunfantemente no palco das falsas idéias, das sombras, da ilusão, da fumaça que se dissipa com o tempo. Para Protágoras filósofo da phisys, na grécia antiga “o homem é a medida de todas as coisas”, portanto, ele é a glória dele mesmo, tudo gira em torno dele próprio, este pensamento é ardiloso na medida em que distancia o homem de seu Criador. Desloca a imagem do Deus Invisível para a pessoa visível. Jesus veio restaurar essa imagem perdida.
A síndrome do falso “eu” se manifestou na vida de Pedro naquele encontro no monte das oliveiras. Quando afirmou coisas sobre sua relação com Jesus que não eram verdadeiras, quando projetou uma imagem falsa sobre seu caráter, quando tentou impressionar seus companheiros de ministério, com uma coragem e intrepidez irreal. A atitude de Pedro revelou a Jesus sua fragilidade. O mestre sabia que tudo aquilo era falácia, que aquela postura não representava a verdade sobre o verdadeiro eu do apóstolo. As vezes agimos como Pedro, queremos impressionar àqueles que estão ao nosso redor.Mas a verdade sobre nós, se revela na solidão de nossa existência, se manifesta no apagar das luzes, na hora em que todos estão dormindo, e nós não conseguimos dormir.
James Masterson afirma que “faz parte da natureza do falso “eu” nos impedir de conhecer a verdade sobre nós mesmos, de penetrar nas causas profundas de nossa infelicidade, de nos vermos como realmente somos: vulneráveis, medrosos, apavorados e incapazes de deixar que o “eu” verdadeiro se exponha”. Assim, preferimos mascarar nosso caráter, projetar uma imagem falsa sobre nós é mais conveniente que deixar o eu verdadeiro se manifestar. Quantos relacionamentos conjugais acabados, falidos, mas aparentemente tudo vai muito bem. Quantos ministérios pastorais fundamentados em sombras, em mídia, em markenting, mas nas entrelinhas, na essência, há muita frustração. Pois as pressões para termos grandes igrejas, para sermos famosos, para sermos reconhecidos, para termos sucesso ministerial nos empurram para o falso “eu”, que se alimenta disso. As imagens falsas se alimentam do “status quo”, do frenesi ministerial, do grande cantor, do grande pregador, do grande orador, e nesse lance de ser grande nos perdemos diante da simplicidade do evangelho. Deus não se impressiona com essas coisas, com essas grandezas, certa vez Jesus afirmou aos seus discípulos, depois que eles voltaram da missão dos setenta (70) empolgados e vibrantes com tudo que tinha acontecido naquela missão, “Eu lhes dei autoridade para pisarem sobre cobras e escorpiões, e sobre todo poder do inimigo, nada lhes fará dano. Contudo, alegrem-se, não porque os espíritos se submetem a vocês, mas porque seus nomes estão escritos nos céus”, Lucas 10:19-20.
Não adianta tentar viver a vida cristã, fundamentado em falsas expectativas sobre nós, sobre a igreja e sobre as pessoas ao nosso redor. Para C.S. Lwuis “o homem é um rebelde que precisa render-se”. Meu propósito com essas reflexões, é o de que você renda-se ao senhorio de Jesus e submeta seu falso “eu” ao domínio de Cristo. O evangelho não serve para ser vivido com máscaras, com falsas expectativas sobre a natureza humana, pelo contrário, o evangelho tem que ser autêntico, verdadeiro, projetado sobre a imagem de Jesus crucificado, pois ele disse: “eu sou a ressurreição e a vida”. Isto significa que Nele podemos viver a possibilidade de morrer, e ao mesmo tempo ressurgir em novidade de vida. Por isso, precisamos levar para a Cruz de Cristo, esse impostor que está dentro de nós, mentiroso, falso, enganoso, narcisista, orgulhoso, idólatra, hipócrita, a fim de que nasça a possibilidade de uma nova vida em Jesus.
A vida da igreja está na imagem de Jesus Cristo, por isso, ela é chamada para projetar-se Nele. Não existe igreja sem que haja morte e ressurreição. Somos um milagre operado pela graça irresistível e nesse evangelho não existe lugar para máscaras, para hipocrisia, para rivalidades, para disputas, para concorrência, para grande nem pequeno, para primeiro nem último, Ele é tudo em todos. Nele vivemos, existimos e nos movemos. Que Deus nos ajude a vencer a síndrome do falso eu.